Bem, mas em que medida esta paz proposta pelos EUA agora interessa à Rússia?
Existe uma euforia exagerada em relação a Trump na Rússia, basicamente pelo contraste profundo em relação às outras lideranças estadunidenses. Isolados pelo Ocidente e ameaçados com um holocausto nuclear por Biden, os russos olham para Trump com um óculos extremamente róseo e veem com expectativa as infinitas promessas milagrosas de Washington. Isso pelo menos no âmbito da "sociedade civil".
Por enquanto, as propostas para uma paz na Ucrânia enunciadas pelos EUA são pouco realistas porque não se comunicam bem com os fatos militares e não respondem às demandas da operação militar especial. Como ficam para a Rússia, por exemplo, as partes ainda não tomadas das províncias oficialmente anexadas como Kherson e Zaporizhia? Como implementar a necessária "engenharia" cultural chamada pelos russos de "desnazificação"? Como garantir o não ingresso da Ucrânia na OTAN considerando que Trump governará os EUA, a priori, apenas até o início de 2029? Faz sentido para a Rússia abandonar Kharkov e Odessa para os ucranianos? E caso não, como convencer os EUA disso? Uma "zona-tampão" incluindo essas regiões bastaria?
Na prática, qualquer acordo assinado pelos EUA será muito frágil e não poderá ter qualquer outra natureza senão a de um esforço de ganhar tempo para reiniciar um conflito com a Rússia em alguns anos porque para a geopolítica talassocrática dos EUA enfrentar e tentar desintegrar a Rússia não é opcional, mas uma questão existencial - e ainda não há evidências suficientes de que Trump está transicionando os EUA de uma geopolítica talassocrática para uma telurocrática. O abandono da Europa é um bom sinal, mas ainda não há nada garantido mesmo nisso.
Essa transformação geopolítica dos EUA sob Trump está parecendo um esforço de "demolição controlada" do multilateralismo unipolarista em prol de um interlúdio multipolar, até que os EUA tenham força suficiente para recobrar a hegemonia. No meio tempo, o interesse do setor trumpista do Deep State será o de liquidar os aliados da Rússia no Oriente Médio, Ásia, África e Américas (inviável de forma completa, talvez) para que seja mais fácil enfrentar a Rússia no futuro.
Para a Rússia, portanto, o mais conveniente é seguir entretendo esses diálogos com os EUA, mas continuando a operação militar especial russa na Ucrânia, e e possível convencer os EUA a uma retirada unilateral para que Moscou tenha carta branca.
Paz sem a liquidação de um tal "Estado-nação ucraniano" - punhal voltado contra o projeto imperial russo - não passa de uma ilusão.