Neste dia, em 1861, nasceu João da Cruz e Souza. Intelectual, abolicionista, jornalista, escritor, poeta fundador e maior expoente do simbolismo no Brasil, Cruz e Souza era um homem negro em uma província que, até hoje, se orgulha de seu lastro europeu. Filho de um mestre pedreiro e uma lavadeira, Cruz e Souza nasceu em Desterro, atual Florianópolis, e foi uma inteligência aguda e sensível, um garoto prodígio que escreveu seus primeiros versos aos sete anos de idade e permaneceu poeta até o fim de sua vida.
A ousadia de ser preto e poeta — filho de dois ex-escravizados — em um país ainda sob regime escravista era, por si só, imensa. Mas Cruz e Souza foi além. Em uma nação que até hoje nega voz às pessoas negras, que silencia suas palavras e fecha os olhos para sua história, ele se tornou o principal representante do simbolismo no Brasil, um movimento literário que tinha poucos adeptos por estas bandas do Atlântico. E não apenas isso: tornou-se o maior de todos.
Em seu poema Emparedado, Cruz e Souza compartilha a angústia de sua posição, de sua condição de poeta negro em um país que o relegava à exclusão. Em versos arrebatadores, reflete sobre a contradição de sua arte e suas origens:
"Como se viesses do Oriente, rei!, em galeras, dentre opulências,
ou tivesses a aventura magna de ficar perdido em Tebas,
desoladamente cismando através de ruínas;
ou a iriada, peregrina e fidalga fantasia dos Medievos,
ou a lenda colorida e bizarra por haveres adormecido e sonhado,
sob o ritmo claro dos astros, junto às priscas margens venerandas do Mar Vermelho!
Artista! Pode lá isso ser se tu és d’África, tórrida e bárbara,
devorada insaciavelmente pelo deserto,
tumultuando de matas bravias,
arrastada sangrando no lodo das Civilizações despóticas,
torvamente amamentada com o leite amargo e venenoso da Angústia!
A África arrebatada nos ciclones torvelinhantes das Impiedades supremas,
das Blasfêmias absolutas, gemendo, rugindo, bramando
no caos feroz, hórrido, das profundas selvas brutas,
a sua formidável Dilaceração humana!
A África laocoôntica, alma de trevas e de chamas,
fecundada no Sol e na Noite,
errantemente tempestuosa como a alma espiritualizada e tantálica da Rússia,
gerada no Degredo e na Neve — pólo branco e pólo negro da Dor!
Artista?! Loucura! Loucura!
Pode lá isso ser se tu vens dessa longínqua região desolada,
lá do fundo exótico dessa África sugestiva, gemente,
Criação dolorosa e sanguinolenta de Satãs rebelados,
dessa flagelada África, grotesca e triste, melancólica,
gênese assombrosa de gemidos, tetricamente fulminada pelo banzo mortal [...].”