O que é identitarismo?
A revolucionária Clara Zetkin relata que “o camarada Lenin falou-me várias vezes sobre a questão feminina, à qual atribuía grande importância, uma vez que o movimento feminino era para ele parte integrante e, em certas ocasiões, parte decisiva do movimento de massas. (…) Nossa primeira conversação longa sobre esse assunto teve lugar no outono de 1920”, em “Lenin e o Movimento Feminino”.
Nas palavras do líder bolchevique: “Somente através do comunismo se realizará a verdadeira libertação da mulher. É preciso salientar os vínculos indissolúveis que existem entre a posição social e a posição humana da mulher: isto servirá para traçar uma linha clara e indelével de distinção entre a nossa política e o ‘feminismo’ [o termo ‘feminismo’ tinha, então, um significado diverso do que é usado atualmente. Nos dias de hoje, poderia ser substituído no texto por ‘identitarismo’]”.
Continua Lenin, “esse ponto será mesmo a base para tratar o problema da mulher como parte da questão social, como problema que toca aos trabalhadores, para uni-lo solidamente à luta de classe do proletariado. O movimento comunista feminino deve ser um movimento de massas, uma parte do movimento geral de massas, não só do proletariado, mas de todos os explorados e de todos os oprimidos, de todas as vítimas do capitalismo e de qualquer outra forma de escravidão”.
É possível extrair do texto o conceito de identitarismo. O identitarismo é o rompimento do vínculo indissolúvel entre a posição social e a posição humana do grupo social oprimido (mulheres, negros, LGBTs, etc.), que é parte daquela. Em outras palavras, o identitarismo rompe o vínculo entre a opressão de classe e opressão de raça ou gênero, determinados por aquela.
A concepção identitária se apresenta de forma bastante heterogênea. Ela pode exprimir, por exemplo, que as mulheres são oprimidas porque os homens são essencialmente machistas, que os negros são oprimidos porque os brancos são essencialmente racistas, etc. Em todos os casos, restringindo-se a opressão a questões “humanas”, o identitarismo apaga a situação de classe. É a “dupla exploração” capitalista a que estão submetidas as mulheres e os negros trabalhadores, como disseram Lenin e Clara Zetkin, que dá origem ao machismo e o racismo.
A ideologia burguesa dissemina que a crítica ao identitarismo é uma crítica à própria defesa dos direitos das mulheres, negros e LGBTs. Dessa forma, estimula divisões nas organizações populares e impede a conexão da luta contra as opressões com a luta por reformas econômicas e, ainda mais, com a luta revolucionária pelo poder de Estado.
As lutas contra o racismo, o machismo, a LGBTfobia são uma alavanca importante para o despertar da consciência de classe. Porém, os revolucionários dirigem essa luta não só para obter concessões ideológicas das classes dominantes e algumas condições vantajosas de venda da força de trabalho para as mulheres, negros e LGBTs, mas mas para destruir o regime social que os inferioriza e os obriga a venderem sua força de trabalho.
Não devemos, portanto, restringir-nos à luta contra as opressões de raça e gênero, assim como não devemos nos limitar à luta por terra, por moradia ou por melhores salários. Nem mesmo devemos transformar essas lutas na nossa atividade predominante, mas em uma parte integrada à luta de classes, empreendendo ativamente o trabalho de educação política das classes populares para enfrentarmos as raízes dos problemas.
Foi contra tendências identitárias que Fred Hampton, dirigente dos Panteras Negras, declarou em um discurso em 1969, “é uma luta de classes, porra! (…) a prioridade dessa luta é a classe. (…) Aqueles que não o admitem são aqueles que não querem se envolver em uma revolução, porque sabem que, enquanto estiverem lidando com a questão racial, nunca estarão envolvidos em uma revolução. (…) Nós nunca negamos o fato que há racismo na América, mas dissemos que o subproduto, o que decorre do capitalismo, resulta ser o racismo. (…) Nós somos pretos marxistas-leninistas”, Fred Hampton em “É uma luta de classes, porra!”.