Todos já percebemos que os presidentes Lula da Silva e Javier Milei são como polos opostos – e não apenas na forma como imaginam o desenvolvimento econômico, um neokeynesiano (e sabemos muito bem quantos absurdos são colocados na conta do pobre lorde Keynes), outro ultralibertário. Em suma, muito Estado ou o menor Estado possível. O período envolvendo a cúpula do G20 mostrou outras diferenças.
Na visão de Lula, quando não ofuscada por acontecimentos paralelos como a verborragia da esposa ou até, inopinadamente, a prisão de kids pretos, tudo tem que ser feito de forma tradicional, com um líder genial dos povos – ele, obviamente, já treinando para o Nobel da Paz – que promove iniciativas governamentais contra a forme no mundo e diminui o complexo fenômeno das temperaturas planetárias. Só precisa de uma certa mudança na “governança global”, uma contrafação que soa bonito a quem não chegou ao ponto de imaginar um mundo em que Arábia Saudita, Etiópia ou Afeganistão decidam os rumos “corretos”.
É uma diplomacia tradicional na qual a ala lulista do Itamaraty investiu muito e conseguiu resultados razoáveis na cúpula do Rio. Até número errados, deliberadamente, sobre famélicos no Brasil e mortos pela covid no mundo, são colocados na conta da habitual demagogia. Pelo menos não deu nada terrivelmente errado, excetuando-se a o ruído constrangedor criado com o palavreado de baixo calão envolvendo Elon Musk, uma das personalidades mais conhecidas do mundo.
Ofuscar o marido no momento montado para ele parecer um estadista de projeção mundial não soa como uma boa ideia.
DANCINHA NA FESTA
A visão de Javier Milei é completamente diferente. O presidente argentino está cada vez mais empolgado com seu projeto ultralibertário, sem precedentes no mundo, mas já conhecido a ponto, espantosamente, de influenciar atitudes de integrantes do futuro governo de Donald Trump.
Tuitou Vivek Ramaswamy, encarregado por Trump de formar o estranho casal, com Elon Musk, ao qual caberá diminuir e agilizar a gigantesca máquina governamental americana: “Uma fórmula razoável de consertar o governo dos Estados Unidos: cortes ao estilo de Milei, mas anabolizados”.
Imaginem só, um modesto economista que criou uma persona pública deliberadamente exagerada sair da periferia global para influenciar os Estados Unidos, com direito a dancinha na festa da vitória de Trump em Mar-a-Lago.
Muitos observadores se apegam aos aspectos performáticos de Milei e nem vão conferir o que ele está dizendo – ou fazendo. Antes da dancinha, ele teve um encontro de 45 minutos com Trump. Vai melhorar as perspectivas argentinas? Piorar não vai. Aliás, o momento tem sido positivo para ele. Um “importante operador em Wall Street” citado pelo jornal La Nación, acredita que Milei “superou o pior momento de vulnerabilidade política e econômica, entre maio e agosto”.
BRASILEIRO HONORÁRIO
Na visita aos Estados Unidos, ele cortejou o mundo high tech, um terreno onde melhorou a capacidade operacional de seu governo ao nomear como embaixador em Washington o empreendedor digital Alejandro Oxenford.
O dono da OLX, a empresa de anúncios online que opera em 45 países, é um brasileiro honorário. Veio morar ainda criança em São Paulo depois do terrível sequestro e assassinato de um tio, vítima de um grupo de extrema-direita conhecido como “o bando dos delegados”, formado justamente por integrantes da polícia federal (numa espécie de terrível “equilíbrio” que explica muito dos radicalismos argentinos, seu avô foi sequestrado pelos Montoneros, a extrema-esquerda peronista).
“Milei imagina um futuro com a Argentina transformada em um polo da alta tecnologia, inteligência artificial, machine learning e internet da coisas”, escreveu Jorge Liotti no La Nación.
Apresentar a possíveis investidores um futuro de estabilidade, mais além de recursos formidáveis como as reservas de lítio, o “combustível” da energia renovável, é um dos problemas de Milei – ou de qualquer outro presidente argentino, considerando-se o histórico de extrema instabilidade do país.