Eu, particularmente, considero que a leitura que a esquerda faz de Zumbi é moralista e a-histórica, mas a leitura da direita é particularmente frouxa, castrada. A aversão a Zumbi deriva da aversão burguesa pela violência heroica e viril, especialmente quando ela se volta contra a ordem estabelecida.
Zumbi obviamente nunca foi um combatente "contra a escravidão". Não poderia sê-lo. Palmares era habitada majoritariamente por africanos e filhos ou netos de africanos; ou seja, com uma proximidade cultural, psicológica e espiritual muito grande com o mundo banto, no qual a escravidão é parte dos costumes sociais.
Quando a esquerda brasileira, aliás, nega a escravidão em Palmares ela o faz utilizando o artifício da diferenciação entre a escravidão no Brasil e a escravidão na África, para inventar que a segunda não seria escravidão. Isso deriva de uma leitura político-ideológica progressista de Palmares, em que Palmares é apropriada e falsificada em uma narrativa politicamente correta eurocêntrica, como uma utopia igualitarista protoiluminista.
Na historiografia brasileira, foi muito bem estabelecido por Nina Rodrigues, Arthur Ramos e Edison Carneiro que Palmares era, de fato, um reino africano banto em território brasileiro, em que muitos dos costumes africanos constituíam a norma, incluindo aí a escravidão.
E é esse caráter de Palmares como Monarquia Tradicional (e não como okkupa antifa ou sarau progressista), com Zumbi como monarca católico (!) - ainda que heterodoxo - e sua luta pura e simplesmente para tentar preservar a prerrogativa de um reinado independente, que é interessante.
Zumbi tornou-se rei ao modo da Idade do Bronze, desafiando o rei anterior, Ganga Zumba, e como rei ele construiu ao redor de si uma aristocracia guerreira composta a partir dos mais fortes d'entre os negros livres e ex-escravos da região, e assim resistiu até se deparar com um outro bando de heróis, os bandeirantes de Domingos Jorge Velho.
A história do Brasil, assim, é lida como um campo de batalha de contornos homéricos, em que bandos guerreiros portugueses, indígenas e africanos se chocam repetidas vezes até se sintetizarem no povo que somos.