À terceira foi de vez. Depois de dois voos cancelados, consegui, finalmente, partir. Quando o avião descolou do aeroporto de Beirute, vários edifícios continuavam em chamas no subúrbio a sul da capital libanesa. O taxista que atravessou comigo a zona mais perigosa da cidade dorme dentro do táxi porque é também ele refugiado. Contou-me que Israel assassinara 16 membros da sua família em Bekaa num ataque aéreo. Na sala de embarque, uma mulher chorava copiosamente abraçada às duas filhas adolescentes.
Cheguei no dia anterior ao ataque que matou Hassan Nasrallah. Ouvi a explosão e os gritos na rua. Palmilhei as ruas de Haret Hreik, onde centenas de voluntários, ambulâncias e escavadoras se concentaram para resgatar as vítimas. Durante vários dias, fiquei alojado no coração de Beirute, em Hamra, antes de partir para um bairro cristão bem perto de Dahieh, a zona mais perigosa da cidade. Visitei as ruínas do ataque contra os três palestinianos da FPLP, cujos cadáveres foram levados em ombros por milhares através de todos os campos de refugiados. Assisti à alegria de quem acompanhava o ataque do Irão através dos telemóveis nas ruas. Membros do Hezbollah disparavam para os céus em celebração.
Entrevistei médicos, políticos, professores e deslocados. Conheci membros do Hezbollah, comunistas e outros integrantes históricos da resistência libanesa. Também apoiantes de Israel entre a comunidade cristã. É impossível ler o Líbano sem compreender todas as invasões anteriores de Israel e sem perceber que enquanto a questão palestiniana não for resolvida não haverá paz na região. Antes de haver Hezbollah, já Israel tinha invadido o Líbano. A agressão aos capacetes azuis é apenas mais uma prova de que não há linhas vermelhas para os líderes israelitas e a incapacidade de Israel se defender sem o apoio dos Estados Unidos mostra como há uma cumplicidade permanente entre Washington e Telavive.
Foi um intenso mergulho de 15 dias numa tormenta na qual trabalhei para vários meios de rádio, imprensa e televisão. Com todas as dificuldades de um lugar onde reina a suspeição sobre estrangeiros, sobretudo jornalistas, depois da profunda infiltração israelita no interior do Hezbollah, fazer reportagem exige, ali, um esforço incomensurável. O povo libanês enfrenta uma invasão que provocou até ao momento 1,2 milhões de refugiados, quase 2 mil mortos e muita destruição. É sobre eles que pesa a indiferença do Ocidente.